Histórias do Aluno Presente viram livro do antropólogo Luiz Eduardo Soares

“Vidas Presentes”, do antropólogo Luiz Eduardo Soares, se baseia nos relatos dos articuladores do Aluno Presente. Leia a entrevista com o autor, que lançará o livro nesta quarta (28) em evento gratuito, na Maré.

O livro “Vidas Presentes”, do antropólogo Luiz Eduardo Soares, se baseia nos relatos da equipe de articuladoras e articuladores do Projeto Aluno Presente, uma iniciativa da Associação Cidade Escola Aprendiz, com o apoio da Fundação Education Above All,  que (re)inseriu mais de 22 mil crianças e adolescentes nas escolas públicas cariocas.  Realizado em parceria com a Secretaria Municipal de Educação, o projeto, durante três anos, desenvolveu ações estratégicas, buscando garantir o direito de acesso à Educação Básica, de crianças e adolescentes de 6 a 14 anos, da cidade do Rio de Janeiro. Luiz Eduardo, com uma sensibilidade que lhe é peculiar, transformou esses relatos em 15 contos, que retratam a realidade das comunidades cariocas e a exclusão do Estado em áreas de vulnerabilidade social.  A seguir, uma entrevista com autor sobre a obra, que será lançada em evento nesta quarta (28), no Centro de Artes da Maré, às 18 horas, com bate-papo com o autor, distribuição de livros, exposição da gravuras que ilustram a publicação. A entrada é gratuita.

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1) Como surgiu a ideia de ouvir os relatos das articuladoras e transformá-los em um livro?

LE: A ideia foi de Miriam Krenzinger, que participou ativamente do projeto de pesquisa e articulação. Como ela se reunia com articuladores/as de campo nos debates sobre estratégias, percebeu que aquelas experiências eram extraordinárias e mereciam um registro. Não apenas a gravação de seus diálogos e entrevistas, não apenas os depoimentos de articuladores/as, em si mesmos muito interessantes, mas um pouco dispersivos para quem ouve, procurando apenas visualizar e compreender o essencial. A forma mais econômica, precisa e viva, do ponto de vista afetivo, é o relato literário. O jornalismo literário e a etnografia são as referências principais. Por isso, tendo sido convidado pelo Projeto, selecionei algumas histórias especialmente significativas, do rico acervo gravado por Miriam, cujas fontes foram os testemunhos de articuladores/as de campo.

2) A sociedade também é responsável pela evasão escolar. Como fazê-la se conscientizar da problemática?

LE: Claro que sim. Os elos que ligam escola, família, comunidade, entidades locais, gestores públicos e governos são sociais, conformam a tessitura da sociedade. As dificuldades vividas por crianças, professores, funcionários, familiares e a rede de vizinhança expressam o abismo das desigualdades brasileiras.

3) Alguns relatos evidenciaram a ineficácia e a burocracia exagerada de alguns Órgãos.  Como mudar essa realidade?

LE: Isso é verdade e a mudança envolve decisões políticas e mudanças culturais, dois temas que remetem a dinâmicas muito diferentes, cujas temporalidades são distintas. No entanto, o Projeto Aluno Presente pode ajudar bastante a conscientização sobre esse, e não só esse, problema. O Aluno Presente foi o projeto não estatal mais impressionante, pela escala e a eficácia transformadora de que já tive o privilégio de participar, ainda que, nesse caso, lateralmente.

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4) Outro fator importante relatado pelos contos foi sobre a atuação das milícias.  Comunidades comandadas por policiais e ex-policiais são piores que as comandadas pelos traficantes?

LE: Depende dos critérios pelos quais sejam definidos melhor e pior. Além disso, não há “a milícia”, no singular, ou “o tráfico”. Há múltiplas realidades que variam de acordo com os territórios, os momentos históricos, marcados por distintas disposições jurídico-políticas por parte do Estado, e os próprios arranjos internos a esses mundos. O fato é que constituem dois enormes problemas, que refletem questões sociais, culturais e políticas, assim como econômicas, muito diferentes. As comunidades merecem ser livres, merecem beneficiar-se dos direitos estabelecidos pela Constituição. Não merecem, não podem continuar submetidas a tiranias locais impostas pela força das armas.

5) Muitas famílias  estão envolvidos com drogas. A descriminalização poderia ajudar no controle da venda dessas substâncias e minimizar esses problemas e também as operações policiais recheadas de violações de direitos aos cidadãos?

LE: Há inúmeros passos a dar e obstáculos a vencer. Os maiores são as desigualdades socioeconômicas, o racismo estrutural e a falta de consciente participação política. E há passos menores, ainda que difíceis: a legalização das drogas e a refundação das polícias brasileiras, associada à mudança radical das relações que ainda hoje existem entre o Estado e as classes subalternas, isto é, as populações mais vulneráveis. Só assim a Constituição seria respeitada em benefício das comunidades. E toda a sociedade só teria a ganhar. Acabando com a guerra às drogas, subtrai-se um ingrediente explosivo, que tem alimentado a violência social e estatal, esta última cometida em parceria pelas polícias, o Ministério Público, o Judiciário e o sistema penitenciário.

6) A escola pública está muito longe de ser a ideal.  Como manter a qualidade da educação pública em zonas de conflitos?

LE: Só há uma resposta, de meu ponto de vista: encerrando o conflito.

7) Quais as suas reflexões finais  sobre esses relatos?

LE: Aprendi, ouvindo as histórias e elaborando as narrativas que, por mais que eu tenha falado da invisibilidade social ao longo de praticamente toda a minha vida profissional e minha militância como ativista dos direitos humanos, ela ainda mantém vastos contingentes humanos, nossos vizinhos, sem reconhecimento. É indizível a ruína social e humana que encontrei, graças ao trabalho maravilhoso das dezenas de articuladores/as de campo, propiciado por esse Projeto notável. Sendo indizível, me colocou o desafio de arrancar daí e ajudar a rasgar o véu da invisibilidade que paralisa, politicamente, a sociedade brasileira. As histórias de vida identificadas nos confins do Rio de Janeiro esfregaram na minha cara a tragédia da tal “cidade maravilhosa”. Pedindo perdão, antecipadamente, e licença às leitoras e aos leitores, eu os/as convido a sujarem-se comigo.